quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Conto Improvável

Já era noite, apenas mais uma, mesmo sem saber que não seria. Decidiu sair, assim sem rumo. Apontou pro norte e disse, aqui vou eu. A cabeça estava cansada, um ar fresco lhe faria bem. Observava cada detalhe daquele caminho já feito e refeito tantas vezes, porém só agora descoberto.

Sem fazer muito desdém logo se engraçou com umas folhas que caiam secas graças ao inverno que muito tarde ainda estava chegando. Chutou uma tampinha que encontrou pela calçada ao mesmo tempo em que se atentou a duas crianças debruçadas sobre uma janela. Pensou em tudo que faria diferente se tivesse uma segunda chance. Ah, se pudesse ser menino de novo...

Ouviu um som ao fundo e decidiu por ir atrás. Era Blues. Sentiu no furor de sua alma a solidão que o Blues proporcionava, somado ao sentimento de aventura e liberdade: quis botar o pé na estrada e partir pra tão longe quanto fosse possível. Aproximou-se. Cauteloso, entrou, escolheu o seu canto, contido, sem chamar muita atenção. Apreciava o bom som. O Blues era isso, era poder viver de forma digna, era se desprender do mal, da impotência, poder lamentar.

Não foi preciso nenhum estímulo para entrar na onda. Já estava naquela “vibe” e viu a sua vida em reflexos. Sentiu raiva de si mesmo: estivera pensando na Tulipa novamente, sim aquela última. Se deu conta de que a danada sobreviveu a mais uma seca e talvez voltaria agora ainda mais cheia de vida. O que tem essa maldita, afinal? Sabia que no fundo não lhe servia, pois não gosta de dividir as coisas e nem de nada usado, muito faz questão do novo, daquilo que lhe é exclusivo.

Bastou um momento de fraqueza para perceber que nada havia mudado. Ou olhando sob outra ótica, que tudo havia mudado. A maturidade trazida pela idade que carrega foi lhe modificando e consumindo aos poucos. Lembrou-se das mensagens que outrora enviava de madrugada, mas que com o tempo cessaram. Lembrou dos grandes amigos que já fizera mas que vinham se afastando com o tempo. Sentiu a falta deles e até esboçou um plano, mas sabia que na manhã seguinte já haveria de ter fracassado. Pensou mais uma vez em tudo que poderia ter sido, mas não foi.

Na saideira, ouviu “Ai imagina quando eu chegar no céu aí mesmo é que eu vou gostar”. Despediu-se do som da gaita e continuou o seu caminho: Blues, alma e solidão. Sobre fracassos, incertezas e esperança. Naquela noite percebeu que é possível viajar em sair do lugar.