sábado, 18 de janeiro de 2020

Sobre castelos e cavernas


Certa vez ouvi dizer que a realidade é relativa, e o que a molda e a faz tomar forma é o ponto de vista que cada pessoa projeta sobre ela. Ora pois, o mundo visto pelo pessimista haverá de ser o mesmo enxergado pelos olhos de um otimista. E por assim dizer, de fato a realidade se torna uma questão de perspectiva.

A história de hoje fica por conta de duas crianças com experiências de vida muito diferentes, mas que por algum motivo enxergam a vida de maneira muito parecida. Mensagens inconscientes recebidas na infância, feridas que viraram cicatrizes com o passar dos anos; até o dia em que o destino permitiu que se conhecessem.

A primeira dessas crianças mora num castelo. Desde cedo aprendeu com o pai que precisaria buscar a própria segurança e construir o próprio castelo, pois o mundo não era um lugar seguro e ficar a vontade nele não era uma boa ideia. Cansou de ver as pessoas chegando e partindo de sua vida. As decepções eram constantes e por isso construiu muros cada vez mais altos. Tão altos que precisou se mudar para a torre: dali começou a observar tudo que acontecia ao seu redor. Naquele castelo os limites eram bem estabelecidos e não se permitia qualquer visita. Os olhos que tudo veem, mas a boca não parecia ser capaz de dizer o que o coração sentia.

Já a segunda criança habita em uma caverna. É a personificação do amor, dona de um coração ímpar. Tão cedo aprendeu que ter necessidades próprias não era bom e inconscientemente temia não ser digna de receber amor. Passou a vida doando muito mais do que recebia, e isso doía. Construiu uma caverna para se retrair nas noites de lua cheia ou sempre que o coração se machucava. Quando se sentia pronta pra deixar a caverna, esperava encontrar lá fora à sua espera as pessoas que ama; e se decepcionava quando não estavam. Feridas ainda abertas. Um coração que transborda amor, mas o mundo não parecia ser capaz de corresponder às expectativas.

Quis o destino que essas duas crianças se encontrassem. Do castelo, a primeira criança observava tudo com atenção. A criança da caverna chamou a sua atenção desde o início, irradiava muita luz. No início preferiu manter distância, mas com o passar do tempo desceu da torre, abriu a porta do castelo e foi pra porta da caverna. Por entender que aquilo era diferente, também se permitiu fazer diferente. Depois de décadas enfim percebeu que compartilhar os sentimentos e a sua história não era tão ruim. Encontrou acolhimento, aconchego e paz; a mente tão acelerada enfim se acalmou.

E foi assim que pela primeira vez resolveu baixar os muros do castelo e descobriu como a vida é bela lá fora. Desenvolveu uma nova asa, descobriu um novo instinto. Cresceu tanto. Parecia terem se passado anos, quando na verdade eram apenas alguns meses. Que intensidade, que presente da vida. Se tornou puro amor e gratidão. E estará sempre na porta da caverna aguardando uma nova lua, esperando para voltarem juntas à torre do castelo.

Profundidade, confidências, bebedeiras. Melancolia, feridas, bagaceiras. Genuidade, amor, lealdade. Uma confissão na forma de cavalo de troia. Continentes, estradas, destino.  Poderia ser tudo isso, mas no final não é nada além de uma reflexão sobre castelos e cavernas.