sábado, 8 de setembro de 2012

Minha nada interessante vida – parte 1: O Pequeno Gafanhoto


Depois de adulto, 3 anos de idade podem fazer pouca ou nenhuma diferença. Mas quando criança, 3 anos pode ser um abismo. E foi justamente esse abismo que me separou do meu irmão quando éramos pequenos. Quando eu começava a minha primeira infância, ele ainda era neném. Quando eu já começava a mudar as brincadeiras, era a hora dele começar a usar os meus primeiros brinquedos que aquela altura já não me interessavam mais.

Por essas e outras, tive uma infância muito solitária. Longe da civilização e da sociedade, tinha apenas a minha própria companhia nas longas manhãs que se sucediam. Nem TV havia em casa. Raramente, quando visitava a minha avó, assistia um pouco do “Programa da Xuxa” ou da legendária “TV Colosso”. Ficava maravilhado com os desenhos animados e programas, mas via aquilo como algo inatingível, e sentia-me privilegiado por poder assistir, ainda que raramente, aqueles programas cheios de cores e sempre tão animados.

Como não tinha nenhum passatempo ou companhia para brincar, e ainda sem idade para ir à escola, não havia muito que se fazer, salvo quando a mãe gritava para ir olhar os irmãos mais novos. De resto, tinha um dia inteiro pela frente. Foi aí que, inspirado nos programas de TV que eventualmente assistia, comecei a “apresentar” o meu próprio programa, “O Show do César”.

O quintal fora o palco escolhido; o pé de Jamelão, o cenário principal. Fazia mágica, entrevistava convidados imaginários e também os bichos que apareciam no quintal. Fazia adivinhações com a plateia surreal, comandava as gincanas e brincadeiras incríveis e emocionantes. Até desenhos animados havia no programa: inventava histórias com os brinquedos e as narrava especialmente para os espectadores (palavra esta, aliás, que não conseguia pronunciar corretamente, deixando-me envergonhado diante da plateia).

O “programa” durava a manhã toda. Era diversão que não acabava. A mãe começou a suspeitar que eu pudesse estar ficando louco. E nem a poderia culpar, coitada: afinal como uma criança passava a manhã inteira falando sozinha como se houvessem milhares de crianças ao redor? No fim das contas, ela acreditou que havia um anjo conversando ali comigo, e certa vez até disse que gostaria de participar do programa. Com a esperteza de uma criança de 5 anos, tratei de dizer logo que não seria possível, pois era uma programa só para crianças e não era admissível que adultos participassem.

Vida de apresentador cansa. Quando a mãe chamava para o almoço despedia-se dos convidados e encerrava o programa. Depois de comer, tirava um cochilo gostoso, e em seguida ia pro outro quarto para escutar rádio com a mãe, enquanto ela ficava a costurar e a cuidar dos irmãos. Prestava atenção nos causos que eram contados no rádio, mas não descuidava do relógio, só pra não deixar passar a hora em que o pai chegaria.

Mal sabia olhar as horas, mas sabia que quando o ponteiro maior e o ponteiro menor ficassem sobrepostos, era a hora de o pai chegar. E saía correndo para o portão, só pra ir recebê-lo e roubar-lhe um abraço. A tarde ainda era grande e gostava quando o pai, depois de tomar banho, pegava um papel velho para fazer uns desenhos.

Tudo aquilo era muito divertido. Uma vida tão simples e até rudimentar, mas feliz. Às vezes tenho vontade de voltar uma ou duas décadas e congelar aquele tempo onde era possível ser feliz entrevistando passarinhos e sendo amigo de um pequeno gafanhoto. Sem preocupações, sem angústias, alheio a todo o mal que mundo pode causar. Uma vida muito simples, sem enfeite nenhum. Ah, se eu pudesse...


4 comentários:

  1. Lindo demais... Muito parecido com o que eu fazia... Me vi na sua infância... Continue escrevendo! Estou ansiosa pelas nove partes que faltam. Beijos! :D

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  2. Só não gostei do título. Como assim nada interessante? :D

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  3. Natália, eu nunca ia imaginar que alguém iria se identificar com o meu texto... Muito legal a sua história também!!!
    Olhe que talvez deixamos morrer dentro de nós dois "apresentadores" hein...quem sabe não teríamos uma carreira promissora? rsrs
    Em breve vem mais uma parte por aí...:D
    Beijos

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  4. Adorei! Muito lindo mesmo!!! A infância, sem dúvidas é a melhor parte... Era ótimo não conhecer as coisas ruins!

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